Bem-estar de cães e gatos

As cinco liberdades inicialmente desenvolvidas para avaliação do bem-estar de animais de produção reúnem a avaliação de indicadores nutricionais, de conforto, de saúde e comportamentais. Podem ser aplicadas a animais de companhia, domiciliados ou mantidos em abrigos. Ao pensarmos no papel que os animais domésticos possuem nas famílias podemos verificar facilmente as diferenças culturais, sociais e econômicas que afetam o reconhecimento das suas necessidades e da importância de seu bem-estar para uma relação mais harmoniosa entre animais e tutores.

Os cães e gatos ganham crescente espaço e aceitação nos lares humanos, sendo considerados por alguns indivíduos, membros da família. Entretanto, o fato de serem considerados “filhos” por alguns não os tornam crianças (humanas) e podem acarretar sofrimento mental e o desenvolvimento de problemas comportamentais ou mesmo físicos. Os animais não-humanos, independente da espécie e grau de domesticação, requerem cuidados próprios, com necessidades físicas, nutricionais, comportamentais e sociais que variam segundo a espécie, raça e idade. Na vida moderna, por estarem cada vez mais próximos aos humanos, adquiriram padrões comportamentais que podem variar daqueles encontrados em seus ancestrais selvagens. Os cães já estão mais adaptados ao convívio e a vida domiciliada, mas os gatos ainda preservam características mais selvagens, como o hábito de caçar (pássaros, pequenos mamíferos) sem necessitar da presa para sua alimentação.

A utilização de indicadores para análise do bem-estar animal facilita a verificação de necessidades que estão afetadas e como essas podem ser atendidas.  Os aspectos nutricionais englobam o acesso, qualidade e quantidade de alimento e água, higiene de recipientes, condição corporal e são um dos indicadores analisados nos protocolos de avaliação. Ainda há muitas diferenças na preocupação com a alimentação dos animais. Podemos encontrar com facilidade cães e gatos domiciliados e semi-domiciliados com baixo escore corporal devido ao fornecimento inadequado de alimento e água, entre outros fatores. A infinidade de opções de alimentos para pets no mercado e a falta de informação dos tutores facilitam o comprometimento desse indicador para alguns animais. O outro extremo são os casos de obesidade, que vem crescendo e trazem consigo uma série de riscos à saúde e comprometimento da qualidade de vida. O aumento do número de animais castrados e aqueles com pouca atividade física são elementos que podem favorecer o desenvolvimento deste problema.

Uma ideia comum entre tutores pouco informados está relacionada ao fornecimento da “tríade” (alimento, água e abrigo). Além de equivocada, uma vez que os animais requerem muito mais que isso para seu bem-estar, também pode estar comprometida (indicador nutricional ruim). As questões de conforto incluem abrigo adequado a espécie, porte, com densidade animal adequada, com proteção contra chuva e sol excessivos e com superfície confortável para descanso.

O indicador de saúde está relacionado a presença ou ausência de doenças, dor ou injúria e é o de mais fácil mensuração, avaliado pelo exame físico do animal. A realidade sanitária dos animais no nosso país é também heterogênea e complexa. Podemos considerar os extremos – animais extremamente bem cuidados, que são levados ao médico veterinário regularmente e aqueles que são criados a “própria sorte” sem nenhum tipo de assistência. As doenças “negligenciadas” são aquelas que poderiam ser evitadas com medidas preventivas, como as infectocontagiosas (prevenidas com vacinação) e as verminoses, que ainda são grande causa de morte, principalmente em animais suscetíveis (filhotes, gestantes e idosos). Ainda falta o reconhecimento massivo da importância do acompanhamento médico veterinário rotineiro, uma vez que os animais estão envelhecendo e com a idade outras doenças surgem, comprometendo também seu bem-estar. O avanço nas pesquisas de fármacos para controle da dor durante realização de cirurgias e outros procedimentos permite oferecer maior conforto a pacientes com inúmeras afecções e durante recuperação pós-operatória. Estudos já demonstram o risco do desenvolvimento de dor crônica em animais não medicados adequadamente durante procedimentos cirúrgicos.

O indicador de comportamento é o mais difícil de avaliar e atender. Trata da possibilidade de expressão do comportamento natural da espécie e de aspectos mentais de difícil observação. Os recursos disponíveis que possibilitem a expressão do comportamento natural, no caso o enriquecimento ambiental é fundamental. Um ambiente estéril (sem elementos enriquecedores) limitam o repertorio comportamental. Para os gatos, ambientes verticalizados (prateleiras, troncos de árvores) e materiais para esconder seus dejetos e arranhar unhas são essenciais. Já os cães são animais sociáveis e precisam de interação com outros animais e pessoas. Um animal impedido de brincar, correr e passear tem sua expressão de comportamento prejudicada. Infelizmente, um dos principais relatos de maus-tratos em animais é a manutenção destes presos em correntes curtas ou canis/gatis muito pequenos, com isolamento social e sem estímulos ambientais. Alterações de comportamento, como agressividade, medo excessivo, comportamentos estereotipados ou transtornos de ansiedade também podem indicar comprometimento severo do bem-estar. Outros elementos importantes, mas de difícil mensuração são os sentimentos e as emoções, como estímulos emocionais negativos (estresse) e as sensações positivas.

A falta de conhecimento sobre o comportamento e bem-estar de cães e gatos pode desencadear distúrbios comportamentais e afetar a relação tutor-animal. Já existem estudos nos EUA que mostram o alto índice de abandono ou eutanásia dos animais com problemas de comportamento. No Brasil, o estudo da epidemiologia do abandono ainda é recente para podermos afirmar quantos animais são abandonados ou até mesmo vítimas de maus-tratos pela falta de conhecimento dos tutores sobre o comportamento animal.

Autoras

Haiuly Viana – Médica Veterinária, com especialização em em Medicina Veterinária do Coletivo pela Universidade Federal do Paraná

Thuany Limia – Médica Veterinária

Rita de Cassia Maria Garcia – Professora da Área de Medicina Veterinária Legal e Medicina Veterinária do Coletivo da Universidade Federal do Paraná

Literatura complementar:

BROOM, D. M. Indicators of poor welfare. British Veterinary Journal, v. 142, n. 6, p. 524-526, 1986.

BROOM, D. M.; MOLENTO, C. F. M. Bem-estar animal: conceitos e questões relacionadas – revisão. Archives of Veterinary Science, v. 9, n. 2, p. 1-11, 2004.

HAMMERSCHMIDT, J.; MOLENTO,C. F. M. Protocol for expert report on animal welfare in case of companion animal cruelty suspicion. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, São Paulo, v. 51, n. 4, p. 282-296, 2014.

HOUPT, Katherine Albro; GOODWIN, Deborah;, UCHIDA , Yoshiko; BARANYIOVA, Eva; FATJO, Jaume; KAKUMA, Yoshie. Proceedings of a workshop to identify dog welfare issues in the US, Japan, Czech Republic, Spain and the UK. Applied Animal Behaviour Science 106 (2007) 221–233

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