Bem-estar de animais de fazenda: além de uma exigência de mercado, uma necessidade intrínseca dos animais

No início da década de 1960, a jornalista britânica Ruth Harrison visitou os sistemas de produção intensiva da Inglaterra e a realidade precária dos animais foi descrita no livro “Animal Machines” (tradução livre “Maquinas Animais”), que gerou grande discussão na sociedade britânica sobre as condições precárias da produção animal. O governo criou o Comitê Brambell, onde os participantes discutiram as condições dos sistemas de produção e as necessidades dos animais. Assim sendo, foram definidos critérios básicos para a produção animal, que incluíam os estados emocionais e inaugurou o conceito das 5 liberdades. Inicialmente foram considerados como necessidades básicas dos animais o: Virar-se; Cuidar-se corporalmente; Levantar-se; Deitar-se; Esticar os membros. A ciência do bem-estar animal evolui e com ela o conceito das 5 liberdades. Atualmente são consideradas: 1. Livre de fome e sede; 2. Livre de desconforto;3. Livre de dor, ferimentos e doenças;4. Livre de medo e angústia; 5. Livre para expressar seu comportamento natural. Além disso, foram desenvolvidos códigos de boas práticas de manejo dos animais pelo Farm Animal Welfare Council. O bem-estar pode ser mensurado por meio de indicadores. A avaliação do bem-estar dos animais deve contemplar 3 esferas: 1) física (questões de saúde, condição corporal, ausência de lesões e ferimentos), 2) mental (as emoções, sensações e sentimentos) e 3) comportamental (expressão do comportamento natural. A avaliação das necessidades fisiológicas (como agua, alimentação adequada), comportamentais (expressão do comportamento natural), imunológicos (estresse afetando o estado imune dos animais) e indicadores produtivos podem ser utilizados como ferramenta de avaliação do grau de bem-estar dos animais. A implementação do bem-estar pode trazer maior eficiência na produção e valorização dos animais e dos produtos.
Há uma tendência dos mercados importadores de produtos de origem animal em exigir de países exportadores, como o Brasil, padrões mínimos de bem-estar animal nas cadeias produtivas. A forma de tratamento apropriada dos animais não é mais aceito como alternativa de livre escolha, mas sim como uma obrigação para com os animais.
O resultado das pesquisas cientificas sobre BEA e comportamento dos animais permitem que os animais são senscientes e possuem consciência, sendo mandatório que sejam mantidos em sistemas de criação que ofereçam condições mínimas para o seu bem-estar. O desenvolvimento de pesquisas cientificas, a implantação de programas de capacitação em manejo racional dos animais, com funcionários e tratadores, a fiscalização por órgãos competentes em toda a cadeia produtiva e as exigências do mercado consumidor, são fatores que têm auxiliado na melhoria do nível do bem-estar dos animais de produção e, também, na garantia da saúde dos consumidores. A participação nas discussões entre produtores, instituições de ensino e pesquisa e a sociedade civil tem permitido que algumas mudanças sejam alcançadas. Um exemplo importante ocorreu em 2014. A empresa BRF, grande empresa do setor alimentício, em diálogo com uma entidade de proteção animal afirmou que abolirá no prazo de 12 anos o uso de gaiolas de gestação de suínos na companhia e nos seus fornecedores. Para aqueles que sofrem com os animais mantidos em ambientes não adequados, a espera parece longa, mas o fato de a iniciativa ser implementada e se tornar regra traz a esperança de que o direito dos animais e a promoção de seu bem-estar será considerado em breve não só por questões mercadológicas, mas sim pelo valor intrínseco que cada indivíduo possui no seu direito a uma vida digna.
Autoras
Haiuly Viana – Médica Veterinária, possui residência em Medicina Veterinária do Coletivo pela Universidade Federal do Paraná
Rita de Cassia Maria Garcia – Professora da Área de Medicina Veterinária Legal e Medicina Veterinária do Coletivo da Universidade Federal do Paraná